Transformações em Cuba e oportunidades para o Brasil
Em 2015, o aperto de mãos entre Barack Obama e Raúl Castro durante a Cúpula das Américas no Panamá confirmou a opção pelo diálogo e o empenho na construção progressiva de confiança mútua entre os dois países. Pouco depois, foi marcante a retirada de Cuba da lista de países que patrocinam o terrorismo e a reabertura da embaixada dos Estados Unidos em Havana. Em 2016, todo o processo ganhou ainda mais notoriedade com a visita do próprio presidente Obama e sua família à capital cubana.
Um dos movimentos mais marcantes foi o financiamento brasileiro para a reforma do Porto de Mariel
Para além do simbolismo político e histórico, já há efeitos concretos em curso, como a permissão para que bancos americanos processem transações em dólar do governo cubano, a flexibilização das regras para a viagem de cidadãos norte-americanos ao país, ou a negociação para a entrada de investimentos estadunidenses na ilha.
As pressões pelo fim do embargo sobre Cuba, decisão que cabe ao Congresso dos Estados Unidos, também são crescentes e contam com o apoio de boa parte dos cidadãos americanos. As empresas estadunidenses também incentivam a revisão dos entraves que vigoram há mais de cinquenta anos, interessadas no acesso ao mercado vizinho.
Enquanto apoia de forma entusiasmada a progressiva normalização das relações entre Estados Unidos e Cuba, interpretada como a superação do último resquício da Guerra Fria nas Américas, o Brasil vem incentivando o aumento do comércio com a ilha caribenha, bem como uma maior presença de investimentos brasileiros no país.
Para as empresas que vierem a se instalar na ZED será permitido negociar diretamente o salário com os empregados, sem se sujeitarem aos limites impostos pelo governo cubano
Um dos movimentos mais marcantes foi o financiamento brasileiro para a reforma do Porto de Mariel, reinaugurado em 2014. Não obstante a polêmica envolvendo o financiamento do BNDES no projeto, com um crédito da ordem 682 milhões de dólares, são indiscutíveis os ganhos do Brasil na empreitada, não só econômicos, mas também estratégicos.
De fato, estima-se que cerca de 800 milhões de dólares investidos na obra foram gastos no Brasil, na compra de bens e serviços comprovadamente brasileiros, tendo sido gerados mais de 100.000 empregos diretos e indiretos. Além disso, o moderno porto cubano está à altura dos melhores portos caribenhos, como os de Kingston na Jamaica e Freeport nas Bahamas, podendo receber embarcações com até 18 metros de profundidade e movimentar cerca de 1 milhão de contêineres por ano. O grande diferencial, contudo, está no fato de se situar a cerca de 150 quilômetros do principal mercado mundial, vantagem sensível para qualquer empresa brasileira com negócios na ilha, especialmente diante da perspectiva de flexibilização do embargo.
Na última década, houve grande expansão no comércio bilateral, tendo as exportações brasileiras passado de 70 milhões de dólares em 2002 para mais de 500 milhões de dólares em 2015, situando-se o Brasil como o terceiro maior exportador para a ilha, atrás apenas de China e Venezuela. A pauta brasileira é constituída sobretudo de produtos como óleo de soja refinado, farelo de soja, arroz, milho, carne de frango in natura, café cru, entre outros.
No tocante ao apoio a exportações e internacionalização de empresas brasileiras é marcante o papel desempenhado pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), que tem escritório em Havana e cuida, por exemplo, da elaboração de estudos de mercado e do suporte para a instalação de empresas brasileiras na ilha.
As crescentes oportunidades de negócios com Cuba podem ser vislumbradas nas edições anuais da Feira Internacional de Havana (FIHAV). Desde 2003, o pavilhão brasileiro é organizado pela Apex-Brasil e em 2014 o Brasil foi premiado como o país que mais aumentou a participação na feira, com 45 empresas expositoras de setores como: moda; casa e construção; alimentos e bebidas; higiene e cosméticos; máquinas e equipamentos; entre outros.
Vale notar que os incentivos para investir em Cuba tem crescido muito nos últimos anos. A inauguração da Zona Especial de Desenvolvimento (ZED) em Mariel, por exemplo, é iniciativa auspiciosa que tende a atrair investidores estrangeiros para a região, sobretudo diante da perspectiva de flexibilização do embargo dos Estados Unidos.
Para as empresas que vierem a se instalar na ZED será permitido negociar diretamente o salário com os empregados, sem se sujeitarem aos limites impostos pelo governo cubano. Ademais, uma nova Lei de Investimento Estrangeiro foi aprovada em março de 2014, estabelecendo fortes incentivos fiscais para atrair o capital externo, como a redução à metade do imposto sobre o lucro para a maioria dos investidores, com uma taxa de 15% sobre o lucro líquido.
Considerando as promissoras perspectivas de flexibilização do embargo dos EUA sobre Cuba, os efeitos progressivos da modernização do Porto de Mariel e os incentivos dados pelo governo cubano ao capital estrangeiro, pode-se contemplar esse mercado de 11 milhões de pessoas como um novo pólo de atração para empresas brasileiras capazes de identificar oportunidades em meio a uma era de mudanças e desafios no entorno regional caribenho e latino-americano.
[testimonial author=”Paulo Velasco – ” avatar=”https://www.revista-uno.com/wp-content/uploads/2016/08/velasco.jpg” role=”Professor adjunto de Política Internacional do Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPGRI-UERJ)” link=”https://www.revista-uno.com/staff/paulo-velasco/” ]
Professor adjunto de Política Internacional do Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPGRI-UERJ), professor de Política Externa Brasileira no MBA em Relações Internacionais da FGV-Rio, doutor em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ (IESP-UERJ), mestre em Relações Internacionais pelo Instituto de Relações Internarnacionais da PUC-Rio (IRI/PUC-Rio) e bacharel em Direito pela UERJ. Pesquisa nas áreas de América Latina e Política Externa Brasileira, com ênfase em integração regional, tendo publicado diversos artigos e capítulos de livro. É colaborador frequente como especialista junto à GloboNews.
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