Onde nascem as ideias?
Todos nós sabemos que as boas ideias aparecem por magia. A ciência tenta demonstrar-nos o contrário mas não nos conseguem convencer. A viagem de uma ideia continua a ser um mistério e ainda bem. Ninguém sabe de onde vêm. Será que nascem de um small bang? Ou surgem como pequenas células? Criadas com amor e carinho, moldadas pelo nosso código genético? Ou será que já existem escondidas em tudo o que nos rodeia? Pequenos pontos escondidos, apenas à espera de serem descobertos? Debaixo dos nossos sapatos, num livro, num abacate, numa fotografia, num sorriso que se abre, numa lágrima que corre?
A ideia para este texto surgiu (como quase sempre) quando o prazo já tinha passado e as pessoas queridas que me tinham desafiado a escrever estavam já desesperadas comigo. Não sei se faço de propósito, mas dou-me bem com esta maneira de deixar tudo para o fim. São 16:45 e o prazo acabou ontem. Já recebi vários mails a perguntar se o texto estava pronto e desculpei-me com reuniões e mais reuniões. Teams, Zoom, Google Meet, Skype (alguém ainda usa o Skype?), tudo o que fosse possível e credível para atrasar a decisão sobre o que escrever.
Foi nesse momento que a ideia surgiu. Porque não escrever sobre isto mesmo? De como as pessoas criativas adiam constantemente os deadlines e parece que beneficiam com isso. Os criativos publicitários, espécie onde orgulhosamente me insiro, fazem isto melhor do que ninguém. É uma profissão altamente stressante que requer a combinação perfeita dos dois hemisférios cerebrais. Por um lado, a génese emocional e por outro a estrutura racional. É necessário inovar, mas também comunicar. Envolver, mas também convencer.
É necessário inovar, mas também comunicar. En-volver, mas também convencer.
Uma Universidade de Psicologia em Portugal resolveu fazer um teste simples. Perguntou a vários publicitários que nomeassem, segundo a sua opinião, os seus concorrentes mais criativos. E então dirigiu-se a esses e perguntou-lhes o que é que eles faziam desde o momento em que acordavam até ao momento em que se deitavam (por questões legais acredito que não tenham referido tudo, tudo o que fazem ou ingerem, mas isso é outra história). Continuemos. Depois disso voltou a falar com os publicitários que não eram tão criativos e sem explicar porquê fez-lhes a mesma pergunta. Em seguida comparou os dois tipos de publicitários e descobriram duas diferenças que nada estavam relacionadas com a inteligência.
A primeira coisa que descobriram foi que os publicitários mais criativos brincavam com o problema de diferentes formas. Entretinham-se. Distraiam-se. Não iam diretos à resolução do problema. Era quase como uma brincadeira infantil, como quando uma criança fica altamente absorvida pela brincadeira e não se apercebe de nada à sua volta. Mantinham-se numa bolha. A segunda é que adiavam a tomada de decisão o máximo que podiam. E isso revelou-se surpreendente para as mentes organizadas dos psicólogos sociais.
Se tem decisões para tomar, qual é a questão mais importante que deve colocar a si mesmo? Eu acredito que essa questão é quando é que esta decisão tem que ser tomada? Quando temos um problema por ser resolvido, por mais pequeno que seja, ficamos sempre um pouco desconfortáveis. Queremos resolvê-lo. Os publicitários mais criativos têm esta tolerância ao desconforto que todos sentimos ao deixarmos as coisas por resolver.
E porque é que estas duas questões são importantes? Este jogo aparentemente irresponsável acontece porque no momento em que voltamos a brincar como uma criança, estamos muito mais ligados com o nosso inconsciente. Com o lado emocional que referi em cima. É o inconsciente que nos faz chegar a ideias novas e originais. E quanto mais tempo adiarmos a decisão, mais tempo estamos a dar ao inconsciente para ele chegar a algo verdadeiramente criativo.
Ah! Então as ideias vêm do inconsciente, perguntarão os que ainda estão a ler este texto. Eu acredito que sim. Acredito mesmo nessa magia. Nessa ignição maravilhosa que nos faz ver a luz e que nos ilumina a alma. E todos já sentimos isso. Não é necessário ser publicitário. Todos os seres humanos são criativos. Jornalistas, advogados, médicos ou até um condutor da Uber.
Os publicitários mais criativos brincavam com o problema de diferentes formas. Entretinham- se. Distraiam-se.
Todos já vivemos aquele momento especial em que transformamos a inteligência em magia. Aquele momento especial onde percebemos que afinal vamos conseguir entregar este texto a tempo e horas. E que a LLYC de Portugal não se vai arrepender de me ter escolhido para dissertar sobre criatividade.